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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Sessão Especial debate 50 anos da Ditadura Militar

DSC_0788De autoria dos vereadores Ademir Abreu e Florisvaldo Bittencourt, ambos do PT, o evento reuniu autoridades municipais e estaduais que fizeram uma reflexão acerca dos danos ocasionados pela ditadura militar no país.

Os 50 anos da Ditadura Militar e os danos ocasionados pelo regime no Brasil foram debatidos em sessão especial realizada pela Câmara Municipal de Vitória da Conquista, na manhã desta quarta-feira, 02. A iniciativa partiu dos mandatos dos vereadores Ademir Abreu (PT) e Florisvaldo Bittencourt (PT), presidente da Comissão da Verdade.


Considerada o período mais sangrento da história do Brasil, tendo sido instalada no país entre 1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985, a ditadura começou com um golpe de Estado em 1964, quando as Forças Armadas do Brasil derrubaram o governo do presidente eleito democraticamente, João Goulart. Para fazer uma reflexão sobre o tema foram convidadas autoridades municipais e estaduais, professores, pesquisadores, ex-presos políticos e deputados.

O vereador Ademir Abreu (PT) fez uma reflexão sobre o golpe militar de 1964 realizado pelos militares e apoiado pelos empresários ligados ao capital estrangeiro, com o argumento de que estaria combatendo o comunismo e a corrupção. O parlamentar defendeu que a ditadura destruiu a democracia e criou obstáculos para, de uma forma pacífica, resolver a extrema pobreza e a desigualdade no país. Disse ainda que a corrupção era intrínseca a natureza do regime. “A corrupção estava escrita na sua estrutura de poder e no princípio de funcionamento do seu governo. Havia privilégios, apropriação privada do que seria bem público, impunidade e excessos”, afirmou. Lembrou ainda que mesmo depois da abertura democrática, o país teve que conviver com pessoas questionáveis que cresceram na política exatamente na época da ditadura, como Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf, José Sarney, Jader Barbalho, entre outros, que segundo o vereador, souberam jogar o jogo dos militares, cresceram durante o regime e entraram com muito poder na fase pós-ditadura.

O parlamentar disse também que a educação no período militar foi severamente prejudicada. “A violência repressiva sobre os educadores, com perseguições, cassações e expulsões, prisões, tortura, mortes, desaparecimentos e exílios, todos sacrificados de uma maneira extremamente violenta”, relatou. Sobre a saúde pública o vereador afirmou que foi marcada pelo fortalecimento do setor privado, com a criação do INAMPS, que tinha como objetivo o financiamento de hospitais particulares. “A saúde preventiva era praticamente inexistente, houve muita irregularidade em credenciamento de hospitais, facilitados por apadrinhamentos políticos por meio de fraude”, afirmou, e concluiu dizendo que “a experiência com a ditadura militar no Brasil trouxe grandes prejuízos ao processo democrático que se iniciou no governo de Juscelino Kubitschek, danos esses que ainda deixam marcas vivas até os dias atuais, nas atitudes de submissão e medo enraizadas na consciência do povo brasileiro”.

Em sua fala, o presidente da Comissão da Verdade na Casa, vereador Florisvaldo Bittencourt (PT) afirmou que o golpe da ditadura militar é uma página cinzenta da história e que as narrativas da sessão não serão encontradas nas histórias, ainda mais porque era característica da didatura não deixar relatos ou vestígios das atrocidades cometidas, reafirmando a importância de contar esta história. “Esta sessão nos convida a reflexão sobre o rastro de sangue que este período nos deixou. Fazer justiça é imprimir uma derrota a brutalidade do regime. Defender a democracia é defender a liberdade de expressão”, afirmou. O parlamentar disse ainda que pessoas foram presas e torturadas porque defendiam o direito de ter direito, e isso foi tirado com tamanha brutalidade e violência. Ressaltou a importância da Comissão da Verdade no país e no contexto municipal. Lembrou de Péricles Gusmão que foi dado como suicida, mas o vereador quer, através da Comissão da Verdade, corrigir este erro no registro histórico. “Não podemos deixar que a população se envolva no esquecimento”, salientou. O vereador falou que é preciso rever a Lei de Anistia do país, para que com a reforma da lei possa colocar na cadeia os assassinos de homens e mulheres que torturaram os cidadãos que queriam “ter direito a ter direito”. Destacou também que tramita na Casa um Projeto de Lei que proíbe homenagens a “assassinos contra a democracia” com nomes de ruas e prédios públicos para contribuir com alternativas para resgatar o respeito às vítimas do regime. “Viva a democracia”, concluiu o vereador.

Sara Brazão, representante do Levante Popular da Juventude, movimento juvenil criado em 2012, com o objetivo de promover em todo o Brasil ações para denunciar torturadores do período da ditadura militar, disse que em Vitória da Conquista foi realizado um escracho na Rua Presidente Médici, onde os manifestantes informaram aos moradores que Emílio Garrastazu Médici, ex-presidente, foi um torturador e, portanto, não merece ser homenageado com seu nome em uma rua da cidade. O objetivo do escracho é fazer com que as denúncias sejam conhecidas pela opinião pública, como ocorreu em nível nacional, com dois atos contra os coronéis Ubiratan Guimarães, conhecido como Coronel Ubiratan, responsável pela invasão da Polícia Militar ao Complexo Penitenciário do Carandiru, em 1992, e Carlos Alberto Brilhante Ustra. “Enquanto as mudanças que sonhamos não ocorrerem, vamos continuar nos mobilizando e denunciando criminosos, lutando contra o extermínio da juventude negra no país e contra qualquer tipo de opressão”.

A advogada e historiadora Sônia Whrait apresentou fotos feitas no período que ela chama de ditadura civil-militar. Relatou o uso das crianças na tentativa de desmontar as torturadas, como foi colocado no depoimento apresentado de Eleonora Menicucci de Oliveira, hoje Secretaria de Políticas para as Mulheres, na época em que foi presa era estudante. Disse ainda que o Ano Internacional da Mulher serviu como marco para o movimento feministas, com as mulheres saindo das prisões, depois a anistia e logo as organizações dos movimentos feministas. Disse ainda que no dia 8 de março é preciso falar sobre o respeito às mulheres, sendo isto mais importante do que bombons e florzinhas distribuídos na data. A advogada apresentou casos de pessoas que lutaram contra o regime militar e por isso foram presas, torturadas e perseguidas. Falou sobre a criação da Delegacia da Mulher em 1975, as pioneiras foram criadas em São Paulo e no Rio de Janeiro, apresentando tal iniciativa como uma alternativa de fazer um atendimento mais humanizado à mulher. “Temos que resgatar a contribuição das mulheres na resistência da ditadura e na implantação da democracia”, disse.

O historiador Belarmino de Jesus Souza destacou que o Brasil passa por um momento promissor, com pessoas importantes na luta contra a ditadura. Entretanto, o professor chamou a atenção para uma reflexão acerca do tema, pois, segundo ele, durante muito tempo se construiu a ideia de que a ditadura é uma anomalia em relação à sociedade brasileira, uma ideia que precisa ser revista, “pois não podemos construir uma sociedade democrática baseada em mentiras e meias verdades, maniqueísta, que divide o Brasil entre os maus que mataram e os bons que resistiram”, disse.

Belarmino defendeu a tese de que se instalou no Brasil um governo civil-militar, pois a maioria da sociedade civil participou do golpe, foi às ruas, promoveu buzinaços de apoio ao regime. “Podemos aqui citar a imprensa, com exceção de alguns poucos jornais, e várias instituições do país como exemplo de uma postura contraditória, principalmente entre 64 e 68, temos que repensar esse período e questionar como e de que forma uma ditadura se afirma quase sem dar um tiro e sai sem receber uma pedrada”, afirmou.

Edwaldo Alves, Secretário de Governo, preso político e ex-militante do PCB, afirmou que a Comissão da Verdade foi instituída após 26 anos da derrota da ditadura, e questionou o porquê de tanto tempo para apurar os crimes do período. Disse ainda que o fim do regime foi fruto muito mais um acordo dos militares, que já sabiam que a ditadura havia perdido a base de apoio. “Viram que era necessário desmanchar a ditadura sem perder as principais linhas de defesa”, disse, citando a anistia como um dos três pontos cruciais para o fim do regime. Para o secretário, a anistia estabelecida não foi ampla, geral e irrestritiva, pois contemplou as pessoas que lutaram contra e também as que fizeram a ditadura, como se fosse a mesma coisa.

Relatou uma sessão de tortura que foi marcante em sua trajetória, mostrando as mazelas da ditadura levavam à morte pessoas que muitas vezes contribuíam com o regime. “Temos 26 anos de atraso para apurar tudo e para termos um país livre democrático e soberano. Queremos liberdade e a punição de todos os crimes cometidos em nome do Exército Brasileiro”, concluiu.

Professor-doutor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e membro da Comissão Municipal da Verdade, José Dias ressaltou que a Câmara Municipal tem uma história anterior, durante e posterior ao golpe de 64 que merece ser destacada, tendo em vista a ocupação militar do legislativo, citando a prisão, interrogatório e cassação do então prefeito José Pedral, sem justificativas. “É importante lembrar as prisões de pessoas que representavam politicamente a cidade, e de pessoas comuns, mas esses depoimentos não aparecem e nem as justificativas, porque o objetivo era causar assepsia social, causar terror e tolher a liberdade das pessoas”.

Segundo o professor, a Câmara é um espaço político de disputa legítima, mas durante a ditadura militar atuou sob coação, sob a mira de baionetas, sendo os vereadores obrigados a fazer o que era determinado pelos ditadores. “A nossa democracia deve-se ao derramamento de sangue das pessoas que foram torturadas e mortas durante o regime ditatorial. Quero deixar registrado o meu protesto, pois temos na sociedade brasileira, ocupando cargos públicos, inúmeros torturadores. Torturar é crime e os torturadores têm que estar na cadeia, não aceito torturador representando o povo”, salientou, convidando a sociedade conquistense a se manifestar contra isso, pois “a democracia não é bem de uma classe, é um bem de todos e deve ser universal”.

Ex-deputado federal, jornalista e ex-preso político, Emiliano José rendeu seus cumprimentos à família Whraite, representada pela Dra. Sônia Whraite, filha do pastor Jaime Whraite e sobrinha do também pastor Paulo Whraite, desaparecido político, pela grande contribuição na luta contra a ditadura militar.

Para Emiliano José, esse momento dos 50 anos da ditadura militar é o mais intenso no que tange às lembranças, porque todo o Brasil se levanta para fazer uma reflexão acerca do terror provocado pelo regime. “A gente não pode se esquecer de que várias marchas em favor da ditadura foram patrocinadas pelos Estados Unidos, maior patrocinador de ditadura em todo o mundo, o presidente Kennedy jogou milhões de dólares para desestabilizar o governo Jango, aprovado pela população brasileira, infelizmente golpe é golpe, não há golpe militar que não tenha apoio da sociedade, foi um golpe de mão, o general Mourão Filho, um dos principais líderes da Ação Integralista Brasileira, saiu de Minas Gerais com sua tropa, e o golpe aconteceu”, ressaltou, fazendo uma alusão à fala do professor Belarmino.

Ainda, conforme Emiliano, “a ditadura passou a ser o terror mais absoluto do país, fomos dependurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, a única sobrevivente da casa da morte de Petrópoles foi estuprada várias vezes, e nos últimos dias ouvimos estarrecidos depoimentos de como tentavam arrancar as informações dos presos, a tortura era uma política de estado para obter informações e desorganizar a política de esquerda no Brasil, cortaram as cabeças no Araguaia (PCdoB), cortaram as cabeças de vários militantes das organizações de esquerda armada, mataram brutalmente 20 dirigentes do PCB, e são as cabeças mesmo”, lembrou, complementando. “Os torturadores precisam ser presos, condenados, a população precisa ir às ruas exigir justiça não apenas para os que foram torturadores, mas, sobretudo, em memória daqueles que foram torturados e mortos”.

O deputado estadual Marcelino Galo (PT) iniciou sua fala afirmando que a burguesia brasileira nunca respeitou a democracia e sempre que foi necessário, utilizou a violência para escrever a história. Disse ainda que é preciso questionar os valores de uma sociedade que torturava os seres humanos para fazê-los trabalhar. “Este é um país que conviveu 350 anos com a escravidão, a tortura foi banalizada”. Para o deputado é preciso considerar as consequências do regime militar e afirmou que é necessário preparar a sociedade para não permitir que a ditadura aconteça mais. Lembrou ainda que o regime se desfez por conciliações e não por rupturas. Sobre a postura da imprensa, o presidente da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa da Bahia, disse que age da mesma forma do ano de 1964 e destacou que diversos movimentos de luta foram maquiados e financiados pelo capital estrangeiro. Lembrou ainda que as consequências do período afetaram a educação, a saúde, na imprensa que não avançou, além do atraso na reforma política para dar voz às minorias. Afirmou que a escolha de quem será eleito está nas mãos dos grandes empresários, os mesmo que financiaram o golpe militar. Contou que empresários assistiam as torturas e que o Jornal Folha de São Paulo emprestava seus furgões ao regime. “Temos que proteger e continuar a construir a democracia. Temos que preparar nossa sociedade, principalmente os trabalhadores e os pobres. Foi um golpe que interditou o processo civilizatório brasileiro, impediu o avanço e agora temos que continuar esta luta. São 29 anos de uma democracia “capenga”. É preciso que o povo sinta que vale a pena está na democracia. Temos que lutar por igualdade, porque este golpe foi contra a igualdade neste país, um dos mais desiguais do mundo”, concluiu.

A Procuradora Geral do Município, Dra. Luana Andrade, dirigiu sua fala a Sara Brazão, do Levante Popular. “Nós temos uma dívida antiga, nascemos em dívida com pessoas como Emiliano José, como Edivaldo Alves e tantos outros que lutaram para que hoje estivéssemos aqui, precisamos pagar essa dívida, passar a limpo a nossa história, apontar as responsabilidades, para que sejam punidos os mandantes, essa é uma luta por justiça, precisamos estar irmanados em quem nos deu suporte para estarmos aqui hoje, e é a juventude quem vai buscar essa justiça. Nós temos responsabilidade de motivar o estado social, de honrar, todos os dias, quem sofreu, quem foi torturado para que a democracia seja plena, não apenas em liberdade, em voto, mas também em participação social e cidadania, fazer valer a Constituição Federal, quer diz que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, concluiu.

O vereador Hermínio Oliveira (SDD), que presidiu a Sessão Solene, destacou a violência utilizada pelo regime militar e lembrou que a democracia será sempre o melhor regime para que a sociedade viva em igualdade de direitos. “O regime militar foi cruel, desumano. Ditadura nunca mais”, afirmou o parlamentar.

Por Camilla Aguiar e Bia Oliveira / ASCOMCV

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